Um texto de Joaquim Tenreira Martins, membro de AJA Bruxelas.
Os dicionários não deixam qualquer dúvida: tanto em francês, como em português, o termo emigrante designa uma pessoa que deixa o seu país para se estabelecer num outro. E isso qualquer que seja a razão que a leva a expatriar-se: política, económica, religiosa o outra.
Mas, para nós portugueses, não parece ser tão simples. Como o nosso amigo Joaquim Martins explica, com humor subtil, no texto que aqui publicamos, há uma certa ambiguidade na utilização do termo emigrante.
A ler e a meditar.
O Joaquim é autor de vários livros sobre emigração. Sigam a sua página Facebook.
A ATUAL PERPLEXIDADE EM EMPREGAR O TERMO EMIGRANTE
Nunca estivemos à-vontade com o termo EMIGRANTE. Nem os portugueses a viver em Portugal, que os colocavam numa classe à parte — eram os broncos, os fáceis de enganar, os que vinham do outro lado da fronteira, — nem os portugueses a viverem no estrangeiro, que tiveram sempre Portugal no coração, e que pensavam que as saudades e o amor do país eram motivo para serem recebidos de braços abertos. Foram designados os brasileiros, os americanos, os franceses, enfim, os emigrantes!
Os portugueses a viver em Portugal olhavam-nos de longe, com curiosidade, talvez com inveja, às vezes com desdém. Eram os outros, não eram portugueses. Eram emigrantes, eram os outros portugueses.
Ainda não há muito tempo, um conhecedor da emigração portuguesa, José Rebelo Coelho, escreveu um livro a focar precisamente esta dualidade e que intitulou: A Pátria e os Outros Portugueses. É porque na pátria vivem os verdadeiros portugueses. Fora da pátria, vivem os outros.
Os outros vivem fora da fronteira de Portugal, portanto, não são da mesma natureza, são diferentes. Também não são estrangeiros. Bem...Não é isso que se quer dizer, sejamos comedidos, tenhamos educação! É certo que eles não são estrangeiros..., não quer dizer que não sejam portugueses, mas... são emigrantes!!!
Com a entrada de Portugal na União Europeia, esta designação atenuou-se para a eufemizar com a designação de cidadãos europeus. Mas os portugueses, a viver em Portugal, não são também cidadãos europeus?
Já ouvi outras palavras para designar a situação de emigrante: residentes no estrangeiro, cidadãos comunitários, expatriados, portugueses da diáspora...
Após a última crise que abalou o mundo inteiro e sobretudo os países periféricos, como Portugal, os filhos da classe média e até os da classe rica portuguesa, não encontrando empregos em Portugal, foram obrigados a procurá-los no estrangeiro. E foi uma autêntica debandada de jovens diplomados e de portugueses com qualificações a irem procurar trabalho nos países da Europa e em toda a parte do mundo. Também estes emigraram. Nas estatísticas nacionais são considerados emigrantes, mas fenómeno curioso, esta última leva de pessoas que abandonou o país não se considera emigrante. Ou melhor, quando se pergunta às famílias que têm os filhos a trabalhar fora de Portugal: “então o seu filho também é emigrante?”. “Aí que horror! O meu filho é enfermeiro na Inglaterra, é médico na Irlanda, é engenheiro na Bélgica, é informático na Alemanha!” Como quem diz: “Tirem essa palavra da boca para designar o meu filho!” O que pressupõe que não querem ser designados como emigrante.
Não há dúvida nenhuma que a palavra emigrante está carregada de uma grande simbologia. Quando se era pobre e se emigrava, era-se emigrante. Agora as famílias da classe média e da classe rica não deixam que os seus filhos sejam tratados por emigrantes. Este recente fenómeno leva-me a designar o termo emigrante como uma quase classe social, uma classe pobre que teve de abandonar o país, que não tinha passaporte, que teve de pagar fortunas a passadores, que viviam em barracas, em bibonvilles, que todos conhecemos. Os filhos das famílias da classe média-rica não emigravam. Agora emigram, mas não lhes podemos chamar emigrantes. Ficam ofendidos se lhes chamarmos emigrantes.
É possível que o termo emigrante vá desaparecendo, mas vai levar tempo, e, entretanto, ainda não se encontrou outro. Andamos a empregar palavras e termos emprestados a outras realidades, como, por exemplo, a diáspora, que é o termo para designar os judeus espalhados pelo mundo, o que não é o nosso caso. Não é a nossa realidade. Mas, vendo tanta gente a empregar este termo, até é possível que venha a singrar.
Atravessamos um período de transição que nos foi imposto pela realidade de um país que está a transformar-se e, por isso, a linguagem encontra dificuldades em caracterizar o conceito que desde os meados do século passado se designou por emigrante.
Joaquim Tenreira Martins
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